7 de junho de 2014

Por que não vender a USP?,José Arthur Giannotti

JOSÉ ARTHUR GIANNOTTI
TENDÊNCIAS/DEBATES
A USP deveria cobrar mensalidades dos alunos?
NÃO
A USP tem gasto mais com seu pessoal do que recebe do Estado. Muitos de seus alunos podem arcar com os estudos. Não seria natural que viessem a pagar por eles? Segundo qual critério? A renda de suas famílias? Em vez de adotar uma medida paliativa, por que não vender a própria universidade, transformá-la numa dessas instituições de ensino que distribuem diplomas como vendem bananas?
Como estamos vendo, basta levar ao limite a proposta de cobrança das mensalidades para que se evidencie o absurdo dessa medida. A ideia não leva em consideração que, assim como a Unicamp e a Unesp, a USP é pública. Apenas revela como a noção de espaço público está desparecendo do imaginário e da política brasileiros. E parte de um diagnóstico errado, como se a crise da USP e de tantas outras instituições de ensino fosse provocada antes de tudo por falta de verba.
Uma instituição pública é aquela em que os cidadãos, cumprindo requisitos necessários publicamente estipulados, podem frequentá-la independentemente de diferenças de classe, cor, sexo, religião e assim por diante. Por certo esse seu caráter foi trincado por louváveis ações afirmativas facilitando o ingresso de grupos desfavorecidos, mas são medidas provisórias que, no fundo, resolvem gargalos que deveriam ter sido resolvidos no ensino fundamental e secundário.
Em virtude de seu mandado, a universidade pública, encarregada de promover ensino de qualidade, promover pesquisas e a extensão, é um dos espaços privilegiados da República, onde a nação também apreende o que ela é, projeta seu futuro e se integra ao contexto mundial. Privatizá-la equivale a arrancar o coração de nossa nacionalidade e transformar o país num grande mercado.
Mas, infelizmente, a USP e outras instituições de ensino têm sido privatizadas, não pelo capital, mas por suas próprias burocracias, que se aglutinam para disputar vantagens nas carreiras e nas facilidades instaladas nos campi. Grupos burocráticos e ideológicos de professores disputam cargos e se apropriam deles, constroem suas carreias nem sempre segundo o estatuto universitário.
Assessorias cuidam mais de si mesmas do que dos assessorados. E não deixa de ser sintomático que o sindicado dos professores pressione para que os avanços nas carreiras sejam obtidos sobretudo por tempo de serviço. Mutatis mutandis.
O mesmo não acontece com certos funcionários que se instalam em seus cargos como se fossem o sofá de casa? Professores e funcionários pertencem à universidade ou ao departamento onde dão expediente? Por que um bom pesquisador deve ter a mesma carreira que um bom professor? Nem sempre eles possuem as mesmas qualificações. Por fim, não se deve esquecer aqueles alunos que usam o espaço da universidade como palco de suas divergências ideológicas e opções pessoais.
A crise da USP é maior que seu deficit. Há tempos que a pesquisa, no mundo inteiro, tem abandonado as universidades para se concentrar em centros mais autônomos e menos burocratizados. Se quisermos resolver pela raiz os problemas das universidades públicas paulistas, é preciso executar uma reforma que vá além da simples infusão de novas verbas. O cerne da questão reside em como a universidade pública está exercendo o mandato que a sociedade lhe confere.
Para que ela se reforme a si mesma, encontre seu enorme potencial, hoje desbaratado, necessita de maior autonomia, contrabalançada por um forte sistema de avaliação externa. Autonomia ampla, isolada dos alinhavos da burocracia do Estado, que force seus membros a virem a ser o que devem ser --antes de tudo, consciência e sementes de uma nação.

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