29 de junho de 2014

País abandona programa para reduzir atraso escolar



Matrículas em cursos para estudantes defasados caíram 85% desde 2000
MEC afirma que envio precoce de adolescentes para o antigo supletivo ajuda a explicar queda do número de alunos
ÉRICA FRAGADE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 29/6/2014

Uma das principais políticas de combate ao atraso escolar tem sido gradualmente abandonada no Brasil.
Moda no fim dos anos 90 e no início da década passada, os programas chamados de correção de fluxo sofreram uma sangria de matrículas.
Em 2000, havia 1,2 milhão de estudantes do ensino fundamental frequentando esse tipo de curso. No ano passado, esse número tinha despencado para 172 mil, uma queda de 86%.
Os alunos em correção de fluxo são organizados em salas de aulas separadas. O objetivo é recuperar o conteúdo não aprendido por eles e depois devolvê-los para o ensino regular na série certa.
No Brasil, 21% das crianças do ensino fundamental não estão na série adequada à sua idade --geralmente, porque repetiram de ano ou ficaram um período fora da escola. Em 2006, esse índice era maior (28,6%), mas, para especialistas, é cedo para enxugar os programas.
Ainda existem cerca de seis milhões de alunos com atraso de dois anos ou mais no ensino fundamental no país.
"Os programas de correção de fluxo estão morrendo precocemente" afirma João Batista Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto.
Segundo ele, esses programas precisam ser acompanhados por um foco na alfabetização para garantir que o número de novos alunos atrasados diminua.
"Sozinhos, eles são como enxugar gelo. Mas um número grande de alunos já atrasados ainda precisa deles."
O MEC (Ministério da Educação) afirma que não reduziu os recursos para financiar os programas, mas ressalta que a demanda deve partir de Estados e municípios.
Para Clarice Traversini, diretora de currículos da Secretaria de Educação Básica do MEC, uma das explicações para o encolhimento dos programas de correção de fluxo é o envio precoce de adolescentes para a EJA (Educação de Jovens e Adultos), como é chamado o antigo supletivo.
Os alunos que vão para a EJA saem do ensino regular, deixando de contar nas estatísticas de atraso escolar.
O aumento do número de estudantes de 15 a 17 anos na EJA foi revelado em reportagem da Folha e se tornou um tema prioritário para o MEC.
Especialistas que defendem os programas de correção de fluxo dizem que sua metodologia, além de focar na aprendizagem, tenta recuperar a autoestima do aluno.
"Esses programas são um resgate do aluno que, por estar defasado, tem a autoestima baixa", diz Ricardo Dantas, secretário estadual de Educação de Pernambuco.

Trocas de governo afetam programas
Segundo especialistas, projetos para reduzir atraso escolar às vezes são abandonados por novas administrações
Falta de espaço físico, dificuldade logística e mudança de prioridade também são citados como obstáculos
ÉRICA FRAGADE SÃO PAULO
As trocas de governos estaduais e municipais são testes de resistência para os programas de correção de fluxo escolar, que nem sempre sobrevivem às mudanças.
Os dados do Inep (instituto ligado ao Ministério da Educação) revelam forte oscilação nas matrículas nesses cursos por Estado. Para especialistas, isso é um retrato de como as políticas públicas são erráticas no país.
"Sempre que há troca de governo, é preciso um trabalho de convencimento de que o programa é importante", diz Ricardo Dantas, secretário de Educação de Pernambuco.
O Estado voltou a apostar na correção de fluxo em 2008. O Rio Grande do Sul também retomou esses programas.
Segundo Naia Labella, responsável pela política nas séries finais do ensino fundamental, os programas têm ajudado no combate ao atraso escolar. Apesar disso, ela ressalta que a continuação e a ampliação do projeto dependerá da decisão do governo que for eleito em outubro.
Antônio Vieira Neto, subsecretário de gestão de ensino do governo do Rio de Janeiro, também cita as oscilações da política como causa do sobe e desce nas matrículas de correção de fluxo.
"O Rio foi vítima de troca de política pública. Foram 15 secretários de educação diferentes em 15 anos até 2010."
O Rio era o Estado com mais alunos em programas de correção em 2013: 38 mil. Mas, entre 2000 e 2007, o número de matrículas despencou de 56 mil para 2.547.
Dificuldades de logística e infraestrutura são citadas como outras barreiras. "Nosso objetivo é expandir o programa que adotamos em 2011, mas há dificuldades como a falta de espaço físico nas escolas", diz Hélia Giannetti, gerente de ensino fundamental do Distrito Federal.
Inês Miskalo, coordenadora de educação do Instituto Ayrton Senna, ressalta a dificuldade de chegar até os alunos que estão em zonas rurais mais remotas: "demanda vontade política".
ALTERNATIVAS
Estados que praticamente não utilizam mais programas de correção de fluxo, como Bahia e Ceará, dizem que decidiram focar em outras prioridades, como alfabetização.
Em São Paulo e Minas Gerais, a avaliação é que, com a forte queda da defasagem escolar, esses programas vão se tornando desnecessários. Esses Estados apostam em políticas como o reforço escolar.
"A avaliação e a recuperação ocorrem de forma contínua", diz João Freitas da Silva, diretor do departamento curricular de São Paulo.
Clarice Traversini, diretora de currículos da Secretaria de Educação Básica do MEC, afirma que o forte investimento para expandir a jornada escolar também ajuda a explicar a menor oferta dos cursos de correção de fluxo.
Mas ressalta que o governo federal continua a apoiar Estados e municípios que queiram investir nesses programas. Para especialistas, a falta de conhecimento diminui a procura por esses recursos.

"Há muito desconhecimento nos municípios", diz Claudia Petri, gerente de projetos locais do centro de estudos Cenpec.

MEC planeja reformular currículo de supletivos
Objetivo é lidar com aumento de jovens nessa modalidade de ensino
Segundo o ministério, ida de adolescentes para cursos voltados a adultos aumenta o risco de abandono escolar
ÉRICA FRAGADE SÃO PAULO
O aumento da transferência de alunos de 15 a 17 anos para a EJA (Educação de Jovens e Adultos), como é chamado o antigo supletivo, preocupa o MEC (Ministério da Educação), que está estudando medidas para lidar com a tendência.
"Esse é um problema sério. A EJA é focada no trabalhador que precisa terminar os estudos. O adolescente que não se encaixa nesse contexto tem maior risco de evasão", diz Clarice Traversini, diretora de currículos da Secretaria de Educação Básica do MEC.
Segundo ela, o ministério vai reformular os currículos da EJA para adequá-los melhor aos alunos mais jovens. "É uma prioridade", diz.
Reportagem da Folha revelou há três semanas que as matrículas de alunos de 15 a 17 anos nos anos finais do ensino fundamental da EJA subiram 6% entre 2007 e 2013, para 466 mil. O número de estudantes de todas as outras faixas etárias encolheu.
Assim como especialistas ouvidos pela Folha, o MEC avalia que a migração dos jovens pode ser uma medida das escolas para seus indicadores ficarem melhores.
"Esse movimento pode estar, sim, ligado a tentativas das escolas de melhorar seu resultado no Ideb", diz Ítalo Dutra, coordenador geral do ensino fundamental da diretoria de currículos do MEC.
O Ideb, índice de qualidade do ensino básico, é calculado a partir da Prova Brasil, aplicada a alunos das escolas regulares de todo o país.
Uma vez enviados para a EJA, os estudantes --que geralmente são os que apresentam pior desempenho escolar-- deixam de fazer a prova e de ser contados em estatísticas do ensino regular.
Êda Luiz, diretora do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos do Campo Limpo, em São Paulo, diz que é importante criar um ambiente propício para os adolescentes na EJA.
"A socialização nessa idade é muito importante", afirma ela, que conta estar recebendo um fluxo crescente de adolescentes.
Raquel Elizabete Souza Santos, sub-secretária de desenvolvimento de educação básica de Minas Gerais, diz que o envio de jovens para a EJA foi uma das formas encontradas pelo Estado em anos recentes para lidar com os jovens com atraso escolar.
Essa política substitui os programas de correção de fluxo que estão sendo, gradualmente, abandonados.
Os adolescentes na EJA em Minas só têm a opção do turno noturno e, muitas vezes, estudam com adultos. Segundo Raquel, os professores são treinados para lidar com a diferença de faixas etárias.
"O professor tem uma abordagem diferente com o jovem, embora o material didático seja o mesmo", afirma.

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