9 de junho de 2014

Ida de jovens para supletivo melhora indicador de escola

Fatia de adolescentes na EJA saltou de 22,3% para 30% entre 2007 e 2013
Alunos com nota ruim são enviados por escolas ainda no início do ano letivo e não participam do Ideb
ÉRICA FRAGADE SÃO PAULO, Folha de S.Paulo, 9/6/2014
O número de adolescentes cursando o antigo supletivo, modalidade de ensino mais rápida destinada a alunos atrasados, cresceu entre 2007 e 2013, na contramão do ocorrido nas outras faixas etárias.
As matrículas de alunos de 15 a 17 anos nos anos finais do ensino fundamental da EJA (Educação para Jovens e Adultos) subiram 6% no período, para 466 mil. Todas as outras faixas etárias nas diferentes etapas encolheram.
Com isso, a fatia dos adolescentes nos anos finais do ensino fundamental da EJA saltou de 22,3% para 30%.
Essa migração firme reflete a dificuldade das escolas em manter os adolescentes na série certa. Embora seja o espelho de um retrato educacional falho, a ida dos adolescentes para a EJA melhora as estatísticas escolares.
Os alunos atrasados transferidos deixam de ser contabilizados em indicadores do ensino regular, como a distorção entre idade e série cursada, que vem caindo no país.
Além disso, esses alunos --que são os que apresentam pior desempenho escolar-- deixam de participar de avaliações externas.
Êda Luiz, diretora do Centro Integrado de Educação de Jovens e Adultos (Cieja) do Campo Limpo (em São Paulo), notou que muitas escolas não têm esperado nem mais o fim do ano letivo para encaminhar alunos para a EJA.
"Nos últimos dois anos, tenho recebido um número crescente de alunos já no fim do primeiro bimestre letivo."
Foi o que aconteceu com Victor Eduardo Lima, 15, que tinha dois anos de atraso e foi encaminhado por uma escola estadual há algumas semanas para o Cieja do Campo Limpo (zona sul de São Paulo), que é referência em ensino de jovens e adultos.
"Fui chamada e falaram que ele não tinha mais jeito e que era melhor transferi-lo logo", diz Juscilene Maria de Lima, mãe de Victor.
MOVIMENTO INTENCIONAL
Segundo especialistas, essa tendência parece ser fruto de tentativas das escolas para melhorar seu desempenho.
"Existe um movimento, ao que tudo indica intencional, de levar esse aluno para a EJA", afirma Roberto Catelli, da ONG Ação Educativa.
Bruno Novelli, da ONG AlfaSol, concorda: "Cai a distorção entre idade e série e melhoram as notas no Ideb".
Em um primeiro momento, a escola que transfere um aluno para a EJA após reprová-lo é penalizada no Ideb, indicador de qualidade do ensino básico calculado a partir da Prova Brasil. Isso porque, além do desempenho, o exame considera a taxa de aprovação geral da escola.
Mas se a transferência ocorre antes da realização do censo escolar em maio, o aluno não conta para o desempenho da escola, pois deixa de ser vinculado a ela.
Para alguns especialistas, mesmo que a escola já tenha sido punida pela reprovação de um aluno, as perspectivas de melhora em avaliações futuras aumentam depois de encaminhá-lo para o supletivo. A lógica, argumentam, é tentar reduzir o número de estudantes com desempenho consistentemente ruim.
A diretora de EJA da Secretaria Municipal de Educação de São Paulo, Lívia Maria Antongiovanni, relativiza a interpretação: "Isso pode ocorrer, mas a escola também pode receber um aluno tão problemático quanto o que saiu".

Educadores se opõem a envio precoce para supletivo
Governo afirma que transferência de jovens para a EJA evita evasão
Mudança aproxima jovem de mundo adulto antes da hora e limita acesso a conteúdo escolar, dizem analistas
DE SÃO PAULO
João Pedro Gonçalves Pires, 16, passou a frequentar uma turma de pós-alfabetização da Educação para Jovens e Adultos (EJA) na semana passada em São Paulo.
Tinha abandonado a escola em setembro de 2013. Embora estivesse no nono ano do ensino fundamental, não sabe ler e escrever direito.
"Eu só sei fazer letra de fôrma. Tinha vergonha dos outros colegas", diz João Pedro.
Casos como o dele ajudam a explicar por que o número de adolescentes enviados do ensino regular para a EJA resiste em cair.
"A falta de acompanhamento e apoio adequados faz com que alguns alunos não superem suas dificuldades ao longo do ciclo escolar regular", diz Regina Estima, gerente de projetos do centro de estudos Cenpec.
A transferência de alunos a partir de 15 anos para a EJA é legal. Mas a maior parte dos especialistas ouvidos pela Folha acha que o envio de adolescentes para o antigo supletivo deveria ser evitado.
"Encaminhar os mais jovens para a EJA não é o ideal. A proposta pedagógica é que ele fique no ensino regular", diz Lívia Maria Antongiovanni, diretora de EJA da Secretaria Municipal de Educação.
Segundo especialistas, a migração para o antigo supletivo aproxima o adolescente precocemente do mundo adulto e prejudica sua socialização.
O formato do ensino acelerado, dizem, é mais adequado para adultos que conseguem complementar o conteúdo enxuto com sua maior experiência de vida.
"Se o ensino regular já é deficitário para os jovens, imagine o formato mais curto?", questiona Magno Duarte, coordenador de projetos da ONG Comunidade Cidadã.
AVALIAÇÕES
Regina, do Cenpec, identifica uma maior tendência entre as escolas de transferir para a EJA os alunos que apresentam pior desempenho:
"Com as avaliações externas, aumentou a pressão por bom desempenho. As escolas estão assoberbadas, transferindo sem muita reflexão".
O acadêmico José Francisco Soares, presidente do Inep (órgão de pesquisa ligado ao Ministério da Educação), não vê a transferência de adolescentes para a EJA como uma tendência negativa:
"É interessante que o jovem veja a EJA como uma trajetória que permite a ele se certificar. A geração anterior não tinha essa opção e o adolescente evadia."
Segundo ele, a migração dos jovens para a modalidade tem contribuído para aumentar sua escolaridade.
Soares também discorda de que as avaliações externas ajudam a explicar a transferência de adolescentes para a EJA e ressalta a importância desses exames:
"Aprender é um direito do aluno e a avaliação no Brasil foi libertadora porque mostrou que tem alunos que não estão aprendendo."
A análise de Soares não se aplica, no entanto, aos alunos do antigo supletivo, que não são submetidos a nenhuma avaliação externa.
"Ninguém olha para a EJA. A EJA é o que sobra", diz Bruno Novelli, da ONG AlfaSol.

    Nenhum comentário:

    Postar um comentário