22 de junho de 2014

MARCELO GLEISER A sedução da fama


A divulgação da captação de sinais vindos do Big Bang foi feita com muito entusiasmo e pouca cautela
Talvez o leitor se lembre das notícias que apareceram em março e diziam que cientistas americanos haviam captado sinais que levavam praticamente ao Big Bang.
Foi um verdadeiro furor de mídia, recheado de pronunciamentos de cientistas de grande renome, afirmando que finalmente tínhamos prova do sucesso de nossos modelos da física primordial, incluindo até a existência do multiverso, a entidade hipotética que engloba o nosso e incontáveis outros universos.
O sinal era, também, prova de que a força da gravidade tinha uma versão quântica, ou seja, podia ser descrita através de entidades discretas.
Em 23 de março, escrevi sobre a descoberta: "Como toda nova descoberta científica, esta também precisa passar pelo escrutínio da comunidade e ser confirmada por outros experimentos. Em breve, saberemos mais. Ainda é cedo para afirmar que vimos a face da criação".
Passados três meses e muitas discussões entre cientistas, o time do Bicep2, o nome do experimento, admite que os sinais medidos --que são reais-- podem vir de uma fonte mais mundana: a emissão de radiação eletromagnética por grãos de poeira na galáxia. Nesse caso, a expectativa de que sinais vindos das vizinhanças do Big Bang foram detectados vai por água abaixo.
Esse é um exemplo típico de como é difícil controlar o entusiasmo que vem com uma descoberta dessa natureza. No mesmo dia em que os resultados do Bicep2 foram revelados, falava-se de prêmio Nobel, da maior descoberta do século etc. Parece que todo mundo esqueceu que havia suspeitas sobre a intensidade do próprio sinal: era bem maior do que o limite que o time do satélite europeu Planck havia imposto. Mas como o limite do satélite Planck era baseado em medidas indiretas (os resultados diretos serão revelados em uns dois meses), é sempre possível que esteja errado.
A ansiedade da comunidade é enorme, à espera desses e de outros resultados que podem validar ou contradizer a interpretação dada aos sinais medidos pelo Bicep2.
Faz parte da natureza humana se deixar levar pelo entusiasmo, pela possibilidade da fama. Qual cientista não quer ter seu nome associado a uma grande descoberta, daquelas que transformam nossa visão de mundo?
Felizmente, o processo que usamos em ciência nos protege da sedução do poder e da glória. Resultados como esse têm que ser validados por outros experimentos antes de serem aceitos. Só aí podemos dar a eles a importância merecida.
O que ocorreu com o Bicep2--e eles podem ainda estar certos, embora ache difícil--é que a coisa foi feita com muito entusiasmo e pouca cautela. Deviam ter esperado antes de revelar os resultados para a mídia; deviam ter consultado seus colegas e sido mais humildes em suas declarações.
A culpa não foi só deles. Muitos físicos teóricos famosos celebraram os resultados na mídia e na internet. Talvez estejam corretos. Mas não deviam ter declarado vitória antes do fim do jogo. E não estamos nem no segundo tempo.

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