Folha de S.Paulo, 29/6/2014
Não é possível fazer aquilo que é justo: todos os habitantes terem o padrão de vida e consumo dos EUA
O estrago que uma Copa do Mundo faz. Dá até para ficar contente com a qualidade das partidas, mas nem um pouco com o fato de passarem ignoradas na terra do futebol duas notícias importantes para os futuros filhos da mãe gentil.
A primeira foi só uma marca simbólica ultrapassada. Mas que marca: já circulam sobre a Terra mais de 1 bilhão de veículos leves (carros e pequenos utilitários). Um para cada sete habitantes do planeta.
A informação partiu da consultoria londrina IHS Automotive e foi divulgada pelo "think tank" americano Worldwatch Institute. A IHS diz que foram produzidos 69,6 milhões de carros e picapes no mundo em 2013, 4,4% mais que os 66,7 milhões do ano anterior. Para 2014 a consultoria prevê 71,7 milhões de unidades.
A frota cresce, apesar dos ecos da crise econômica mundial. Por trás da expansão está o incrível apeti- te do mercado chinês por automóveis. A China produziu, sozinha, 21 milhões de veículos, quase um terço do total.
O problema é que o país asiático tem só 70 carros para cada grupo de mil pessoas, uma taxa de motorização que os EUA alcançaram em 1919. Hoje, os americanos estão na marca de 812 veículos por mil.
A média mundial de consumo está em 13,9 km por litro de combustível. Cada americano roda em média 13.600 km num ano, ou seja, gasta quase mil litros anuais de combustível. Para a China chegar à taxa de motorização e à quilometragem média dos EUA, a frota mundial teria de dobrar e 1 trilhão de litros de gasolina adicionais seriam queimados a cada ano.
Nem é o caso de fazer a conta de quanta poluição isso levaria à atmosfera, nem da contribuição que traria ao aquecimento global. Pode estar certo de que seria um desastre, mesmo com a discordância de 1,2 bilhão de sem-carro chineses. Nem sempre é possível realizar aquilo que é justo (neste caso, todos os habitantes da Terra terem o padrão de vida e consumo dos EUA).
NEGÓCIO ARRISCADO
Se você acha que isso é coisa de viúvas do socialismo que só abraçaram a causa ambiental para seguir combatendo o capitalismo, pense duas vezes. E tome conhecimento da outra notícia soterrada sob a avalanche futebolista, o relatório "Negócio Arriscado: Riscos Econômicos da Mudança do Clima nos EUA" (riskybusiness.org), lançado na terça-feira (24).
Os autores e patrocinadores do estudo estão mais habituados a embolsar notas verdes do que a abraçar árvores. Cito aqueles que talvez sejam mais conhecidos entre endinheirados brasileiros: os ex-secretários do Tesouro dos EUA Henry Paulson, Robert Rubin e George Shultz, além do bilionário Michael Bloomberg, ex-prefeito de Nova York. Note que há tanto democratas quanto republicanos na lis-ta célebre.
"Prejuízos com tempestades, inundações e ondas de calor já estão custando bilhões às economias locais --vimos isso em primeira mão em Nova York com o fura-cão Sandy", disse Bloomberg. "Com os oceanos subindo e o clima mudando, o relatório Negócio Arriscado' detalha o custo da inação de uma maneira fácil de entender, em dólares e centavos, e impossível de ignorar."
É o oposto do que prega o termocético Bjorn Lomborg. Bloomberg ou Lomborg --você tem de escolher.
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