5 de junho de 2014

Lei da Palmada é aprovada no Senado

Projeto prevê punição a quem impuser a crianças castigo que cause sofrimento físico, mas não detalha o que é proibido
Caberá ao Conselho Tutelar analisar casos e definir penas; texto vai agora para sanção da presidente Dilma
GABRIELA GUERREIRODE BRASÍLIA
O Senado aprovou ontem (4/6) a chamada Lei da Palmada, que estabelece punições para quem impuser a crianças ou adolescentes castigos que resultem em sofrimento físico. O texto segue para sanção da presidente Dilma.
O projeto determina que as crianças sejam educadas sem o uso de castigo físico ou "tratamento cruel ou degradante, como forma de correção, disciplina ou educação". Proposto pelo governo Lula, ele estava em discussão havia quatro anos no Congresso.
O texto original era mais rígido. Definia castigo corporal como a punição que resulta em "dor ou lesão". Durante a tramitação na Câmara, passou a ser a ação disciplinar que resulta em "sofrimento físico ou lesão".
Na prática, a interpretação sobre o que causa sofrimento físico pode ser subjetiva, pois o texto aprovado não detalha os castigos físicos proibidos a pais, familiares, responsáveis e educadores.
Caberá ao Conselho Tutelar analisar os casos e definir a punição --o projeto prevê encaminhamento a programas de proteção à família, tratamento psicológico ou psiquiátrico e cursos de orientação, além de advertências.
Defensora da proposta, a apresentadora Xuxa Meneghel acompanhou a votação da tribuna, ao lado do presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e com o neto do parlamentar em seu colo. Ela chorou ao final da votação.
Diferentemente da votação na Câmara, onde foi criticada por um deputado, Xuxa recebeu elogios de congressistas e até um pedido de desculpas do senador Mário Couto (PSDB-PA) em nome do Parlamento.
O projeto ganhou o nome de Lei Menino Bernardo, em homenagem a Bernardo Boldrini, morto em abril, no Rio Grande do Sul, aos 11 anos. Seu pai, a madrasta, uma amiga e o irmão dela foram indiciados por suspeita de envolvimento no crime.
O projeto também estabelece multa de 3 a 20 salários mínimos para os profissionais de saúde, assistência social, educação ou qualquer pessoa que ocupe função pública e que não comunique às autoridades os casos de violência contra crianças de que tenham conhecimento.
SEM RECEITA PRONTA
A maior resistência à proposta foi da bancada evangélica, que defende a autonomia dos pais para educarem seus filhos. O senador Magno Malta (PR-ES) tentou adiar a votação, mas foi derrotado após pressão de Calheiros.
"Um tapa na bunda, colocar de castigo ou cortar mesada? Não existe receita pronta para todos", afirmou Malta.
Xuxa disse que a lei não interfere na educação familiar nem pune quem estabelecer castigos físicos, mas "mostra que as pessoas podem e devem ensinar uma criança sem usar violência".
"Ninguém vai prender ninguém. Se der uma palmada, a pessoa vai ser presa? Não, de maneira nenhuma. É só para impedir que usem violência", afirmou a apresentadora.
Folha de S.Paulo, 5/6/2014

Pais têm dúvida sobre que tipo de castigo será considerado violento
'Não dá para confundir palmada com espancamento', afirma dona de casa, mãe de dois filhos
Para psicopedagoga, nova lei quer chamar a atenção para violência frequente como forma de punição
ADRIANA FARIASARETHA YARAKDE SÃO PAULOA Lei da Palmada, aprovada ontem (4/6) no Senado, deixou muitos pais na dúvida sobre que tipo de sofrimento físico causado à criança poderá resultar em punição.
"Se estou na rua, puxo o braço do meu filho com força e grito com ele. Vai vir alguém me denunciar por isso?", questiona a radialista Mirian Lizaso de Siqueira, 46.
Mãe de Sofia, 8, e dos gêmeos Marcella e Gabriel, 12, ela diz que apanhou quando era pequena, mas que as palmadas foram corretivas.
"Se apanhei foi com razão, mas não de forma violenta. Foi chamada de atenção, tapa no bumbum. Esse tipo de palmada não me fez mal nem física nem psicologicamente."
Mãe de dois filhos, a dona de casa Aline Vaccaro, 42, também tem dúvidas sobre a lei. Ela teme que haja uma confusão sobre o que é um tapa ou uma agressão maior.
"Só quem é pai e mãe sabe quando pode dar uma palmada. Quem olha de fora acha que é violência e não é", diz. "Não dá para confundir palmada com espancamento."
A auxiliar de serviços Evanir Klauman, 40, diz que o filho de 22 anos só se tornou um "homem trabalhador" porque "levou palmadas, chacoalhões e puxões de orelha".
"O governo proibindo ou não a educação dos meus filhos dentro da minha casa, vai continuar do meu jeito", afirma ela, que também tem uma filha de nove anos.
Para a corretora de imóveis Paula de Azevedo Dias Maia, 30, a criança precisa saber seu limite. Mas ela diz que nunca levantou a mão para o filho de três anos. "Os pais não podem aceitar tudo o que o filho faz. Deixo ele sentado pensando, nem falo de castigo. Ele pede desculpa. Tem resolvido", afirma ela, grávida de novo.
AGRESSIVIDADE
De acordo com Quézia Bombonatto, presidente da Associação Brasileira de Psicopedagogia, optar pela palmada para repreender o filho pode alimentar uma agressividade da criança.
"Uma conversa é mais eficiente e evita um ciclo de violência. Quando a criança desafia o pai e diz que o tapa não doeu, o que ele vai fazer? Dar outro com mais força?"
Para a especialista, a lei visa chamar a atenção para casos de exagero e de uso da violência frequente.
"Uma palmada eventual pode não traumatizar. Mas como nunca se sabe o que isso vai significar para a criança, é melhor evitá-lo", diz. "A preocupação é com a maneira como a criança é criada. Tem amor, carinho e cuidado ou é tudo na base do tapa?"
Para Ricardo Cabezón, da Comissão de Direitos Infantojuvenis da OAB-SP, a lei deixa claro aos pais que eles não podem bater nos filhos.
"Essa lei apenas explica melhor, deixa mais claro o que já existe na Constituição, no ECA e no Código Civil. O código não fala não pode bater'. Então essa lei veio para deixar isso bem explícito."
Segundo Cabezón, a sociedade ainda acredita que o filho é o patrimônio dos pais --que poderiam tratá-los como quisessem. "Alguns dizem que o tapa é para o bem da criança, mas não têm ideia da força física que têm. Pode ser um tapinha para ele e algo extremamente violento e doloroso para a criança."
    RAIO X DA MUDANÇA
    Principais pontos da lei
    > Quem impuser castigos que resultem em sofrimento físico a crianças será punido
    > O Conselho Tutelar analisará os casos e definirá as punições se houver condutas violentas
    > Famílias poderão ser encaminhadas a programas de proteção, a tratamentos psicológicos ou psiquiátricos e a cursos de orientação
    > Também há previsão de advertências legais
    > Estabelece multa de até 20 salários mínimos para profissionais de saúde, educação ou qualquer pessoa que ocupe função pública e que não comunique casos de violência contra crianças às autoridades
      CONTRA
      'Sem pôr limites, teremos crianças mimadas'
      DE BRASÍLIAO deputado Marco Feliciano (PSC-SP) foi um dos parlamentares da bancada evangélica que votaram contra a Lei da Palmada na Câmara. O projeto foi aprovado ontem (4/6) no Senado.
      -
      Folha - Por que o senhor é contra o projeto?
      Marco Feliciano - É um projeto socioeducativo, mas inócuo. Não traz nada de novo na legislação brasileira. Passa a imagem de que o pai não pode tomar nenhum medida punitiva em relação aos seus filhos.
      Mas a proposta não inibe pais a agirem com violência?
      Só causa confusão. O Estatuto da Criança e do Adolescente já prevê tudo isso. É um projeto para inglês ver. Foi feita tanta intriga em cima dele, mas só serve para amedrontar pai e mãe.
      O senhor concorda com o uso de medidas corretivas, como palmadas?
      Isso é de foro íntimo, de pai para filho, não me manifesto. Mas pais e mães amam seus filhos, não vão em sã consciência espancá-los. É preciso colocar limites senão teremos crianças mimadas e nós, com os cabelos brancos, vamos pagar o pato.


      • A FAVOR
        'Criança não é educada, mas humilhada'
        DE SÃO PAULOPara a psicóloga e colunista da Folha, Rosely Sayão, a palmada é humilhante para a criança e não tem função educativa. "É um abuso de poder", diz.
        -
        Folha - Por que a senhora é contra a palmada?
        Rosely Sayão - Porque a criança não pode se defender de uma palmada. Ela não é educada dessa forma, mas humilhada.
        É comum os pais optarem pela palmada educativa?
        Essa prática é muito prevalente na sociedade. Temos cada vez menos paciência e disponibilidade para criar nossos filhos. Parece que perdemos a capacidade de verbalizar com a criança.
        Para a criança, qual o significado de levar um tapa?
        Não dá para prever, mas ela pode entender que essa é uma forma de se relacionar. O tapa pode até funcionar temporariamente, mas o período entre um e outro será cada vez menor. E a força, maior.
        Como punir a criança?
        Existem muitos recursos, como uma conversa, uma bronca firme e até mesmo a expressão facial.    

      • Senado aprova Lei Menino Bernardo

        Débora Álvares - O Estado de S. Paulo
        04 Junho 2014 | 20h 47

        Projeto, que ficou conhecido como Lei da Palmada no início de sua tramitação, segue agora para sanção presidencial

        Atualizada às 21h47
        BRASÍLIA - O Senado aprovou nesta quarta-feira, 4, a chamada Lei Menino Bernardo - que tramitou como Lei da Palmada -, que busca coibir maus-tratos e violência contra crianças. Após quatro anos de tramitação no Congresso, agora a proposta segue para a sanção da presidente Dilma Rousseff. O texto altera o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e determina que pais não podem impor castigos que resultem em sofrimento ou lesões nos filhos. 
        A votação foi acompanhada pela apresentadora de TV Xuxa Meneghel, que se emocionou após a aprovação do projeto. Ela chegou ao plenário do Senado com o neto do presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), e ficou ao lado do senador durante o debate. A ministra dos Direitos Humanos, Ideli Salvatti, também estava presente.
        No início da tarde, Calheiros e Ideli precisaram apelar ao senador Magno Malta (PR-ES), para que ele permitisse a votação da matéria na Comissão de Direitos Humanos. Malta tentou obstruir a apreciação com um pedido de vista - o regimento dá aos senadores prazo de cinco dias para esse propósito. A bancada evangélica se colocou contra a proposta desde o início, alegando temer a “interferência” na educação familiar.
        Castigo. No plenário, Malta voltou a protestar. “Tapa na bunda, colocar de castigo ou cortar mesada? Não existe receita pronta. Às vezes, o último recurso é o castigo. Não é punindo os pais que vamos construir uma sociedade mais fraterna.” 
        A relatora da proposta, senadora Ana Rita (PT-ES), que preside a CDH e foi uma das entusiastas quanto à agilidade na tramitação do projeto, destacou que apesar de haver divergências, a lei protege os menores. “Há quem veja a lei como intromissão na forma de educação, mas a razão primordial dela é proteger meninos e meninas de tratamento degradante”, afirmou, em resposta às colocações de Magno Malta.
        Sofrimento ou lesão. A proposta define o castigo físico como a “ação de natureza disciplinar ou punitiva aplicada com o uso da força física sobre a criança ou o adolescente que resulte em sofrimento físico ou lesão”. O tratamento cruel e degradante é colocado como “a conduta ou forma cruel de tratamento em relação à criança ou ao adolescente que humilhe, ameace gravemente ou ridicularize”. 
        O projeto estabelece a quem se utilizar de castigo físico ou tratamento cruel ou degradante a participação em ações definidas pelo Conselho Tutelar, sem prejuízo de punições cabíveis em cada caso. Os casos que envolvam omissão de profissionais da saúde, assistência social, educação ou de qualquer pessoa que exerça função pública serão punidos com multa de 3 a 20 salários mínimos, podendo dobrar na reincidência. Em votação simbólica, o plenário do Senado aprovou na noite desta quarta-feira, 4, o PL 58/2014 - que era chamado de Lei da Palmada, mas foi rebatizado de Lei Menino Bernardo. Aprovado mais cedo na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa, o projeto foi encaminhado direto ao plenário e agora segue para sanção presidencial. 
        • SAIBA MAIS
          Desde 1979, ao menos 25 países vetaram prática
          CLÁUDIA COLLUCCIDE SÃO PAULOPoucos assuntos de família têm provocado tanta controvérsia quanto dar ou não palmadas em crianças como forma de puni-las.
          A Suécia foi o país pioneiro, vetando a prática em 1979. De lá para cá, ao menos outros 24 países, como Alemanha, Espanha, Áustria, Portugal e Uruguai, proibiram as palmadas.
          Em 2009, na Nova Zelândia, até um referendo foi feito para decidir se o país deveria ou não tornar a palmada crime. Metade da população participou, e 87,6% votaram contra a lei. Não adiantou.
          Além do tapa nas nádegas, foram proibidas outras formas, como beliscões e puxões de orelha.
          Pais agressores têm que pagar multas e frequentar programas de reabilitação. Alguns chegaram a ser presos. A punição máxima é de seis meses de cadeia.
          Nos debates que já aconteceram no país sobre o tema, houve psicólogos que defenderam a chinelada.
          Diziam que seria menos traumática do que a palmada porque criança não relacionaria a mão que a afaga com a que a agride. Mas a maioria dos profissionais tende a condenar qualquer forma de agressão.
          Nos últimos anos, pesquisas têm demonstrado que as palmadas, além de não surtir efeitos disciplinares, contribui para o distanciamento familiar, o medo, a insegurança e a baixa autoestima das crianças.
          Há estudos ainda mais controversos, como o "Relatório Hite sobre a Família: Crescendo sob o Domínio do Patriarcado", da sexóloga americana Shere Hite.
          Segundo o trabalho, palmadas nas nádegas, chicotadas e surras são as origens de grande parte do sadomasoquismo na idade adulta.

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