4 de junho de 2014

A criação de uma sociedade do aprendizado


Artigo de Joseph E. Stiglitz publicado em O Globo. Os mercados podem não ser eficientes quando se trata de nível ou direção dos investimentos em pesquisa e aprendizagem

Cidadãos dos países mais ricos aprenderam a pensar em suas economias como baseadas na inovação. A inovação tem feito parte da economia do mundo desenvolvido por mais de dois séculos. De fato, por centenas de anos, até a Revolução Industrial, a renda estagnou. A partir de então, a renda per capita disparou, aumentando ano após ano, interrompida apenas por efeitos ocasionais de flutuações cíclicas.

O economista Prêmio Nobel Robert Solow notou, há 60 anos, que rendimentos em alta deveriam ser atribuídos, em grande parte, não à acumulação de capital, mas ao progresso tecnológico - ao aprendizado de como fazer o trabalho melhor. Embora parte do aumento da produtividade reflita o impacto de descobertas dramáticas, a maior porção dele se deve a pequenas mudanças. Se é assim, faz sentido prestar atenção a como as sociedades aprendem e ao que pode ser feito para promover o aprendizado - incluindo aprender como se aprende.

Há um século, o economista e cientista político Joseph Schumpeter argumentou que a vantagem central de uma economia de mercado era sua capacidade de inovar. Sustentou que o foco tradicional dos economistas em mercados competitivos estava equivocado: o que importava era a competição pelo mercado, não a competição no mercado. Competição pelo mercado conduz à inovação. Uma sucessão de monopolistas levaria, segundo essa ótica, a padrões de vida mais elevados a longo prazo.

As conclusões de Schumpeter não deixaram de ser questionadas. Monopolistas e firmas dominantes, como a Microsoft, podem na verdade suprimir a inovação. A menos que sejam monitoradas pelas autoridades antimonopólio, elas podem se engajar em comportamento anticompetição, que reforça seu poder monopolista.

Além disso, os mercados podem não ser eficientes quando se trata de nível ou direção dos investimentos em pesquisa e aprendizado. Incentivos privados não são alinhados adequadamente a recompensas sociais: empresas podem ganhar a partir de inovações que aumentem seu poder no mercado, possibilitem que elas driblem regulamentos ou canalizem para elas rendimentos que deveriam ir em outras direções.

Mas um dos insights fundamentais de Schumpeter continua válido: políticas convencionais, que focalizam a eficiência a curto prazo, podem não ser desejáveis, numa perspectiva de inovação/aprendizado a longo prazo. Isto é especialmente verdadeiro para países em desenvolvimento e emergentes.

Políticas industriais - nas quais governos intervêm na alocação de recursos entre setores ou em favor de algumas tecnologias - podem ajudar "economias jovens" a aprender. Tais políticas, quando adotadas, têm sido alvo frequente de crítica. Governos, costuma-se dizer, não devem escolher vencedores. O mercado é muito melhor nisto.

Mas as evidências não são tão contundentes quanto alegam os defensores do livre mercado. O setor privado dos EUA foi notoriamente ruim em alocar capital e gerenciar riscos nos anos que precederam a crise financeira global. Estudos mostram que o retorno médio para a economia de projetos de pesquisa do governo é, na verdade, mais elevado do que os da iniciativa privada. Especialmente porque o governo investe mais em pesquisa básica relevante. É só se pensar nos benefícios advindos das pesquisas que levaram ao desenvolvimento da internet ou à descoberta do DNA.

Mas, colocando tais sucessos de lado, o foco da política industrial não deve ser escolher vencedores, mas identificar fontes de externalidades positivas - setores nos quais o aprendizado possa gerar benefícios em outras áreas da economia. Olhar as políticas econômicas através da lente do aprendizado fornece uma perspectiva diferente sobre muitas questões. O grande economista Kenneth Arrow enfatizou a importância do aprender fazendo. O único modo de aprender o que é necessário para o crescimento industrial, por exemplo, é ter indústria. E isto pode exigir taxa de câmbio competitiva ou acesso privilegiado ao crédito para certos setores - tal como fizeram países do Leste da Ásia como parte de suas estratégias de desenvolvimento notavelmente bem-sucedidas.

Há um argumento convincente de economias jovens para defender a proteção industrial. Além disso, a liberalização do mercado financeiro pode solapar a capacidade dos países de aprender outra coisa essencial para o desenvolvimento: como alocar recursos e gerenciar riscos.

Mais amplamente, muitas das políticas - especialmente as associadas com o neoliberal Consenso de Washington - impingidas aos países em desenvolvimento com o nobre objetivo de promover a eficiência na alocação de recursos hoje, na verdade, impedem o aprendizado, e dessa forma levam à redução do padrão de vida a longo prazo.

Virtualmente toda política governamental, intencionalmente ou não, para o bem ou para o mal, tem efeitos diretos e indiretos no aprendizado. Países em desenvolvimento nos quais as autoridades estão cientes desses efeitos estão mais próximos de fechar esse fosso de conhecimento que os separa dos mais desenvolvidos. Estes, enquanto isso, têm uma oportunidade de evitar o perigo da estagnação secular.

Joseph E. Stiglitz, Prêmio Nobel de Economia, é professor da Universidade de Colúmbia.

(O Globo) 4/6/2014

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