As estatísticas oficiais de mortes violentas das secretarias estaduais de segurança divergem em 5.998 ocorrências das apresentadas pelo Mapa da Violência.
Os dados oficiais dos Estados são publicados no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, organizado pelo MInistério da Justiça, com informações enviadas pelas federações. O Mapa da Violência usa como base as certidões de óbito das vítimas feitas pelo Ministério da Saúde. O UOL cruzou os dados dos levantamentos realizados no ano passado. Pelo Anuário foram 56.337 mortes violentas, contra 50.339 dos Estados.
A diferença é como se todos os crimes do Estado de São Paulo não tivessem existido.
Segundo o Ministério da Justiça, os dados apresentados são elaborados com contagens distintas, com fontes e objetivos diferentes. O mapa analisa as certidões de óbito, enquanto os dados oficiais consideram a abertura do boletim de ocorrência. A pasta informou que os dois estudos são usados para definição de políticas de segurança pública.
A falta de padronização entre os Estados e a falha no preenchimento dos dados nas polícias podem pôr em xeque a qualidade dos dados divulgados como os oficiais pelos Estados, conforme fontes ouvidas peloUOL.
Há casos raros, como Alagoas, Rio Grande do Norte e Pará, em que os números oficiais divulgados chegam a superar o de certidões de óbito. Mas nas outras 24 unidades da federação o resultado é sempre de menos crimes.
E a distorção chama a atenção em alguns casos, em especial o de Goiás. Em 2012, o Estado informou ao anuário 1.340 crimes violentos letais intencionais, os CVLI. Já as certidões de óbito informaram 2.725 mortes violentas intencionais, ou seja, mais que o dobro.
Outro exemplo é São Paulo. O Estado informou 5.180 CVLI em 2012, mas foram emitidas 6.314 certidões de óbito com morte causada por violência intencional.
Também houve decréscimos significativos nos dados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e Minas Gerais.
Diferenças
Segundo o sociólogo e autor do Mapa da Violência, Julio Jacobo Waiselfisz, a diferença entre os dados das secretarias e do Ministério da Saúde fica em torno de 10% –a mais para as certidões de óbito.
Para o pesquisador, entre outros motivos que justificam isso, está a deficiência dos Estados em coletar dados de segurança e pelo modo de preencher o boletim de ocorrência.
“Nos dados do anuário, há grupos de Estados que não têm cobertura completa [de dados]. A segunda explicação é que pode haver a abertura de um inquérito para múltiplas vítimas, isso também baixa o número”, disse.
Waiselfisz afirmou ainda que o uso das certidões de óbito segue classificação mundial a fim de comparação entre os países.
“A única padronização internacional é da Organização Mundial de Saúde, que é a CID-10 [classificação internacional de doenças]. Nós usamos essa base”, disse.
Segundo um especialista ex-integrante do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, ouvido pelo UOL na condição de anonimato, alguns Estados usam metodologia como instrumento político, omitindo o número real das estatísticas oficiais.
Os números
56337
É o total
De mortes contablizadas pelo Mapa da Violência
50339
É o total
De mortes contablizadas pelos Estados
5998
É a diferença
Entre os números apresentados pelos Estados e pelo Mapa da Violência
Fonte: Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e Mapa da Violência
“Em Goiás, por exemplo, o dado usado é inquérito concluído. Assim é moleza baixar estatística. Nenhum Estado reduz de verdade a violência se não tiver dados em tempo real. Reduzir assim não resolve nada, só agrava”, disse.
Sem certeza
Para o Ministério da Justiça, os dois estudos representam fenômenos sociais em momentos diferentes, “cuja categorização é extremamente complexa”.
“O que termina sendo mais relevante na análise destes dados é se os números dos dois sistemas apresentam correlações estatísticas”, informou.
O ministério reconhece que a estatística de homicídios do Sinesp (Sistema Nacional de Informações de Segurança Pública) –feita com dados dos boletins de ocorrência– não dão “certeza da efetiva ocorrência de crime, sendo em tese necessário o término das investigações por meio do inquérito policial para a confirmação das impressões iniciais”.
Um exemplo: se um inquérito é aberto com suspeita de acidente, mas depois a investigação aponta homicídio, o crime não entra nessa estatística de mortes violentas.
Estados explicam
O UOL entrou em contato com as secretarias que tiveram maior diferença. Goiás, Rio de Janeiro e Minas Gerais não responderam aos e-mails enviados na semana passada.
A Secretaria de São Paulo justificou a diferença porque a “as bases de dados utilizadas são diferentes.” O Estado ainda possui um manual de interpretação de dados criminais, que explica as diferenças estatísticas. Na esfera da Saúde a preocupação está em identificar a natureza da morte do ponto de vista sanitário, enquanto na Segurança a preocupação é de natureza jurídica e criminológica”, diz o texto.
O subsecretário de Gestão Estratégica da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Espírito Santo, Gustavo Debortoli, explicou que a diferença de dados no Estado ocorreu por falha no preenchimento ao banco de dados do sistema, que é feito nas próprias delegacias.
“Se a delegacia não tiver Internet em um momento, por exemplo, não é possível atualizar os dados. Nossos dados aqui fechados depois que recebemos tudo e apontaram, em 2012, número até maior que que o Ministério da Saúde. Não trabalhamos com omissão de dados”, informou.
Sobre a falta de padronização dos Estados, o Ministério da Justiça informou que, desde 2004, foram produzidos dois manuais de padronização. Em 2012, foi promulgada uma lei que vinculou o repasse de recursos aos estados a adesão ao sistema, “cuja padronização é definida por um Conselho Gestor”.
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