Ultima Instancia
Flavia Annenberg e Juana Kweitel - 03/05/2012 - 13h58
O STF (Supremo Tribunal Federal) declarou no dia 26 de abril de 2012, por unanimidade, a constitucionalidade da reserva de vagas para negros no processo seletivo para ingresso no Ensino Superior. Com essa decisão, a corte constitucional brasileira deu um passo importante rumo à consolidação de uma sociedade mais justa e igualitária.
A discriminação racial é um traço da sociedade brasileira que não se apaga sem uma postura pró ativa do Estado para corrigir desigualdades. Sabe-se que a população negra é a maior vítima da violência. Segundo o mais atual Mapa da Violência (Waiselfisz, 2012), entre as vítimas de homicídios no país, há 139% mais negros do que brancos. As diferenças de rendimento familiar também são expressivas — nos 10% mais pobres da população, aproximadamente 70% são negros, ao passo que, no 1% mais rico, a população negra corresponde a pouco mais de 15% (IBGE, 2010). Ainda, o analfabetismo atinge duas vezes mais os negros do que os brancos (IBGE, 2010).O ministro Ayres Britto escolheu esse caso, a ADPF (Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental) 186, para inaugurar sua presidência no tribunal. O STF já havia convocado a sociedade a discutir o tema em audiência pública realizada em 2010. Na ocasião, representantes de universidades mostraram que as políticas de inclusão que consideraram apenas critérios como faixa de renda e formação em escolas públicas não foram capazes de alterar a composição racial do corpo estudantil. Com isso, deixaram claro que o problema da segregação não é apenas econômico. No Brasil, os negros são duplamente marginalizados — à pobreza soma-se a cor da pele.
As ações afirmativas surgem, nesse contexto, com o intuito de igualar uma situação que já se inicia desigual. O processo de entrada na universidade não pode ser o mesmo para pessoas com oportunidades tão díspares. A política de cotas, aplicada hoje em mais de 70 universidades, não tem fomentado o ódio ou a segregação. Ao contrário, a possibilidade de que pessoas negras tornem-se médicas, advogadas, gestoras de políticas públicas, artistas, entre outros, cria novos referenciais na sociedade.
As ações afirmativas foram postas em prática empaíses do hemisfério sul, como a Índia, antes mesmo de serem adotadas nos EstadosUnidos. O direito internacional dos direitos humanos também reconhece a legitimidade dessas políticas. Ao ratificar a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial da ONU em 1968, o Brasil se obrigou a garantir a certos grupos raciais, em condições de igualdade, o pleno exercício das liberdades fundamentais. Este compromisso foi reforçado pela participação e liderança do país na III Conferência Mundial das Nações Unidas contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlata, em Durban, em 2001.
Em âmbito nacional, o Estatuto da Igualdade Racial (2010) prevê que o poder público adote programas de ação afirmativa para a correção das desigualdades raciais e para promoção da igualdade de oportunidades. Esse também foi o caminho indicado pelo Terceiro Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH-3), construído com ampla participação da sociedade civil.
O Supremo Tribunal Federal tem enfrentado questões fundamentais para o campo dos direitos humanos, a exemplo da união estável homoafetiva e da antecipação terapêutica do parto de fetos anencéfalos. No julgamento que se encerrou ontem, o STF foi capaz de garantir, ao mesmo tempo, o direito à igualdade e à diversidade. A decisão sobre as ações afirmativas não beneficia apenas um grupo, mas a sociedade como um todo.
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