Autor do Mapa da Violência afirma que criminalidade migrou para Estados
em desenvolvimento, com menos estrutura policial.
"Existe uma distribuição nacional da violência"
Quinze das trinta cidades mais violentas do mundo são brasileiras. Os
dados constam em um levantamento realizado pela Organização das Nações Unidas,
divulgado em março deste ano. De fato, a violência é um sério problema no País.
O Mapa da Violência 2014 mostra uma situação ainda mais alarmante: ela tem
aumentado nos últimos anos. E não se trata apenas da criminalidade - roubos e
assassinatos - mas também na violência no trânsito, que resulta num número
enorme de mortes a cada ano, e nas taxas de suicídio.
O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz é o autor do "Mapa da Violência" e um dos maiores especialistas no assunto no Brasil. Coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), afirma: "Não existem Estados tranquilos como antigamente". Segundo ele, o crescimento econômico em diferentes regiões do País, aliado a falta de investimento em segurança e mobilidade urbana, fizeram aumentar a violência no trânsito e os homicídios. "Estamos vendo uma distribuição nacional da violência", alerta.
O sociólogo Julio Jacobo Waiselfisz é o autor do "Mapa da Violência" e um dos maiores especialistas no assunto no Brasil. Coordenador da Área de Estudos sobre Violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), afirma: "Não existem Estados tranquilos como antigamente". Segundo ele, o crescimento econômico em diferentes regiões do País, aliado a falta de investimento em segurança e mobilidade urbana, fizeram aumentar a violência no trânsito e os homicídios. "Estamos vendo uma distribuição nacional da violência", alerta.
P.— O estudo mostrou um aumento significativo de mortes por acidente de
trânsito em todo o Brasil, com crescimento de quase 40% em 10 anos. O senhor
afirma no estudo que isso não acontece somente em função do crescimento
populacional ou da frota. Quais outros fatores estariam incluídos?
R.—Até o ano de 1997 houve um crescimento enorme das taxas de morte no
trânsito, principalmente por pedestres e ocupantes de automóveis. Mas, a partir
de 1997, observa-se uma queda muito significativa, até o ano 2000, na morte de
pedestres. Na morte de ocupantes de automóveis houve um crescimento moderado.
Só que, a partir de 1995, com o novo Estatuto de Trânsito, começa um
"boom" na morte de motociclistas e, a partir do ano 2000 até hoje,
temos esse panorama. Caem drasticamente as mortes de pedestres, sobe
moderadamente a morte por ocupantes de automóveis, mas cresce exponencialmente
a morte de motociclistas, de tal forma que se não houvesse motos, nossas taxas
estariam caindo ano a ano.
P.— E o crescimento da frota de motos tem muito a ver com a facilidade
de aquisição, com a qualidade do transporte público...
R.—Foi uma decisão política tomada na década de 90. Houve um aumento
significativo de industrias e, por isso, implantaram diversas facilidades para
que a motocicleta fosse o carro do trabalhador. Não tendo condições de comprar
um carro, pode-se comprar uma motocicleta, um meio de transporte facilmente
acessível, com uma enorme facilidade de adquirir financiamentos, com taxas que
caem ainda mais quando vêm da zona franca de Manaus. Então tinha uma série de
facilidades pelo qual ingressaram no mercado de transporte uma massa de pessoas
que não tinham condições de comprar um automóvel. Isso resolveu, de uma só
tacada, vários problemas. O primeiro deles é o transporte do trabalhador. Ao
invés de precisar de investimento do Estado para colocar um transporte público de
qualidade ou ampliar as vias, etc..., se optou pelo meio onde o próprio
trabalhador financia seu transporte: a motocicleta. Segundo: para aquela parte
da população que não tinha trabalho nem condições educacionais ou experiência,
a moto seria um novo instrumento de trabalho. Isso também soluciona um outro
problema que é a falta de comunicação, com o surgimento dos motoboys,
officeboy, entregas.
P.—
O estudo mostrou um crescimento nas taxas de homicídio no Brasil na década de
90, seguida de uma queda a partir de 2003, e depois uma um novo crescimento,
abrupto, a partir de 2008. Qual seria a causa disso?
R.—Até
2003 essas taxas foram elevadamente crescentes. A partir de 2003 acontecem dois
fenômenos: o primeiro foi o Estatuto do Desarmamento e a Campanha do
Desarmamento, que penalizou o porte de armas, recolheu meio milhão de armas de
fogo; e outro, que começou um pouco antes da virada do século, foi uma mudança
no modelo econômico brasileiro. Antigamente a riqueza era concentrada em poucas
regiões econômicas, como a Região Metropolitana de São Paulo, o ABC Paulista.
Começou-se, então, a investir em outras regiões do Estado ou em outros Estados.
Então surgem polos em todo o Brasil que atraíram migrantes por conta das
industrias, dos empreendimentos, que são, também, atrativos para a
criminalidade.
Outro
fator é que no ano 2000 se promulga o primeiro Plano Nacional de Segurança
Pública, e se implanta o Fundo Nacional de Segurança Pública, que manda
recursos para essas grandes unidades federativas que são violentas, como São
Paulo e Rio. Esses Estados começam então a melhorar sua eficiência policial, e
a violência começa a cair drasticamente dessas regiões. A bandidagem não quis
ficar em lugares onde o esquema de policiamento é mais eficaz, e migrou para
outros locais de desenvolvimento que, não têm a mínima estrutura, nem o mínimo
preparo para enfrentar a nova onda de violência. Uma estrutura de segurança
completamente obsoleta.
P.— Nordeste e Norte apresentaram as taxas de homicídio mais altas do
Brasil nos últimos anos. Alagoas registrou, em 2012, 60 assassinatos para cada
grupo de 100 mil habitantes, e no Norte quase todos os Estados estavam com
taxas acima de 30. Essa descentralização da criminalidade dos últimos anos
seria a resposta?
R.—Tem taxas altas nesses Estados, mas também em Goiás, aí no Paraná...
O que acontece na última década? Todos os Estados que eram os mais violentos
até o ano 2000 têm suas taxas de criminalidade reduzidas. Em contrapartida,
todos os Estados que eram os mais tranquilos do Brasil na virada do século,
sofreram grande aumento. Existe uma distribuição nacional da violência. Você
encontrava Estados muito tranquilos, como Santa Catarina, que tinha uma taxa de
10 há 10 anos, e hoje está com 13. Nos Estados do Nordeste houve um crescimento
absurdo nos últimos anos: a Bahia, em 2002, tinha taxa de 13 e agora está com
40, ou seja, já não existem Estados tranquilos como havia antigamente.
P.— O Paraná pulou de uma taxa de 22 homicídios para cada grupo de 100 mil
pessoas em 2002, para 34 em 2012. Como o senhor vê esse crescimento?
R.—Era uma realidade relativamente tranquila, mas houve uma falta de investimento em segurança pública, e hoje é um Estado de grande desenvolvimento econômico, com várias cidades com altos índices de violência, como Foz do Iguaçu e também Cascavel.
P.— Em 10 anos, foi verificado um aumento de 33% na taxa de suicídios.
Os números preocupam?
R.—A medida que aumenta a complexidade da vida, as crises existenciais,
a crise do próprio desenvolvimento, aumentam também os suicídios, e isso
aconteceu em todo o mundo. Mas nossas taxas ainda não são das maiores. Nosso
problema são os homicídios. Na América Latina em geral prefere-se matar o
próximo que a si mesmo. Na Europa, na Ásia, é o contrário: o número de
suicídios é muito maior que o de homicídios.
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