12 de setembro de 2012

HÉLIO SCHWARTSMAN Uma questão de honestidade


Folha de S.Paulo, 12/9/2012

SÃO PAULO - "A opinião que nosso inimigo tem de nós está mais perto da verdade do que a nossa própria." A frase, de François de La Rochefoucauld (1613-1680), é cruel, mas verdadeira. Cai como uma luva sobre a troca de farpas entre os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso, Luiz Inácio Lula da Silva e a atual mandatária, Dilma Rousseff.
Se você quer uma apreciação objetiva dos anos FHC ou da era Lula, recomendo que procure a análise de um jornalista ou acadêmico que não tenha nenhum tipo de relação pessoal ou política com os antigos presidentes nem com seus partidos. Mas, se isso for impossível (imaginemos um mundo onde todos fossem necessariamente petistas ou tucanos), fique com a avaliação do inimigo.
Alguém que preza muito FHC dificilmente mencionaria a compra de votos pela reeleição ou o apagão sem se valer de eufemismos e outros contorcionismos verbais. De modo análogo, um companheiro leal tenderia a dizer que o mensalão jamais passou de uma maquinação das elites. E um exame de ambos os governos que não trate honestamente desses eventos não valeria muita coisa.
O interessante aqui é que a ciência levou 300 anos para chegar a explicações razoáveis para o "insight" de La Rochefoucauld. Uma delas é a hipótese dos marcadores somáticos proposta pelo neurologista António Damásio. Para ele, a cognição, isto é, a parte racional de nossos cérebros, não consegue operar quando a carga de informações é muito grande. Por isso, tende a ficar paralisada quando temos de fazer uma escolha complexa que envolva elementos contraditórios. A mente resolve essa dificuldade recorrendo a elementos afetivos (emoções), que vão oferecer um contexto fisiológico no qual a decisão será tomada.
Desde Platão, imaginava-se que as emoções se opunham à razão e a faziam falhar. O que Damásio sugere é que elas a auxiliam. Quem quer honestidade, deve procurar os inimigos.

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