25 de dezembro de 2013

Educação sem retrocessos,Alexandra Gotti e Priscila Cruz


25 de dezembro de 2013 | 2h 05

ALESSANDRA GOTTI E PRISCILA CRUZ - O Estado de S.Paulo
A Constituição de 1988 foi um marco na História brasileira pela inclusão da educação como um direito fundamental. Somando-se às normas constitucionais, os tratados internacionais ratificados pelo Brasil em matéria de direitos sociais reforçam o dever do Estado de implementar progressivamente tais direitos, utilizando o máximo dos recursos disponíveis e proibindo que os avanços conquistados sofram retrocesso.
Apesar desse instrumental jurídico e da ampliação dos apoios financeiro, técnico e de gestão para a educação em todo o País, no período de um mandato, quatro anos, em 5% dos municípios houve queda no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) nos anos iniciais do ensino fundamental. Mas é nos anos finais do ensino fundamental que a situação é notadamente mais preocupante: em 17% dos municípios houve queda nesse índice no mesmo período.
Num país em que a média do Ideb sobe, essas quedas pontuais representam, por um lado, o aumento das desigualdades e, por outro, um freio para a melhora geral dos níveis educacionais no Brasil.
É evidente que pode haver oscilações. Mas os retrocessos devem ser combatidos. Quem perde mais? Os alunos e o Brasil. Alguém responde por isso? Infelizmente, ainda não.
Para lidar com esse cenário - além de mais recursos para a educação, da valorização e da formação de qualidade dos professores e de uma educação alinhada ao século 21, entre outras medidas - a solução passa necessariamente por uma cultura de monitoramento de resultados e menor tolerância em relação aos retrocessos.
Uma das possíveis estratégias normativas para avançarmos nesse ponto é a aprovação da Lei de Responsabilidade Educacional, em tramitação na Câmara dos Deputados, prevista no Plano Nacional de Educação, projeto de lei que também tramita no Congresso Nacional. Tal lei permitiria que, uma vez constatada a inércia do gestor na educação - ou, pior, o retrocesso nos resultados -, sua conduta poderia ser questionada e sancionada, com fundamento no fato de que é seu dever jurídico implementar políticas que conduzam progressivamente à plena realização dos direitos sociais. Ou seja, sendo a educação uma área tão estratégica para o País e para as pessoas, não pode haver retrocesso.
Uma política pública mostra-se regressiva quando resulta em piores serviços e impactos sociais negativos. Nessas situações, à luz da legislação já existente, cabe ao poder público comprovar que deu prioridade aos recursos públicos para efetivar o direito à educação e observou todos os parâmetros normativos necessários para garantir a ampliação do acesso a ela e de seu padrão de qualidade. Não comprovada essa adequação, é possível aferir que sua conduta, por violar norma constitucional e tratados internacionais, é um ato ilegal.
Como qualquer outra política social, a gestão da política educacional é, evidentemente, muito complexa e as exceções devem ser ponderadas. Algumas medidas, ao serem implementadas, podem provocar retrocessos em alguns resultados. Mas essas excepcionalidades devem ser justificadas e consideradas na lei, tais como: 1) A medida é fundamental para a proteção da totalidade dos direitos sociais, ainda que represente um retrocesso a um direito individualmente considerado; 2) foram exaustivamente examinadas todas as alternativas possíveis, sendo a medida adotada a menos lesiva; 3) foi utilizado o máximo dos recursos disponíveis e, ainda assim, foi necessário valer-se dessa medida para proteger os demais direitos nacional e internacionalmente previstos.
Pode-se perguntar, então, se já não é possível cobrar dos gestores públicos resultados satisfatórios em área tão essencial como a educação. A resposta é sim. Já existem ferramentas para essa cobrança, a começar da própria Constituição de 1988 e dos tratados internacionais, apesar de muito pouco ou nada exploradas, pela insuficiente fixação de parâmetros que gerem consequências. Ou seja, muito embora o direito exista, as ferramentas trazidas por uma Lei de Responsabilidade Educacional poderiam vir para modular as consequências jurídicas resultantes da inércia e do retrocesso, contribuindo para o aperfeiçoamento da legislação vigente e da gestão das políticas públicas de educação.
É fundamental que os alunos cujos resultados foram piores nessas gestões sejam protegidos de novos retrocessos por toda a sociedade brasileira. É nosso dever defendê-los, porque, em geral, os mais atingidos são os alunos em situação de maior vulnerabilidade social e econômica.
Assim, os principais projetos de lei para a educação que estão sendo debatidos no Congresso Nacional - isto é, o Plano Nacional de Educação e a Lei de Responsabilidade Educacional - têm o mérito de estimular uma cultura focada no progresso social e tornar mais transparente a ação estatal - uma vez que para que existam avanços e se concretize uma educação de qualidade o planejamento e a excelência são imprescindíveis na implementação de políticas. Como os recursos são escassos e há muito a fazer, a boa gestão pública - com prioridade para os recursos, o delineamento de metas adequadas e a execução eficaz das políticas implementadas - e o constante monitoramento dos resultados alcançados são fundamentais.
Leis como essas são essenciais para que as ações do Estado transitem da invisibilidade para a luz do dia e para que se norteie o que deve ser feito a partir dos resultados atingidos - progressos essenciais para que o Brasil aprimore a eficiência de suas políticas públicas e melhore a vida dos seus milhões de habitantes.
RESPECTIVAMENTE, DOUTORA EM DIREITO DO ESTADO, SÓCIA DE HESKETH ADVOGADOS;  DIRETORA EXECUTIVA DO MOVIMENTO TODOS PELA EDUCAÇÃO

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