20 de dezembro de 2013

Vidas perdidas e racismo

Data:20/dez/2013, 8h45min

Mais que oportuna a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito para investigar a irrefreável violência contra os jovens negros no Brasil. As razões que a justificam se sustentam nas graves e sucessivas denúncias encerradas em pesquisas nacionalmente divulgadas. Trata-se da constatação de que a violência praticada neste País envolve e vitimiza de maneira devastadora a população negra quando comparada com brasileiros de outras raças.
Tal iniciativa no âmbito do Senado Federal expõe o compromisso inalienável da Casa com problemas que assolam nosso País desde sempre. A divulgação do Mapa da Violência 2013: Homicídios e Juventude no Brasil reforça, uma vez mais, a certeza de que algo institucionalmente transformador deve ser urgentemente implementado. Daí a apropriada decisão de se formalizar finalmente a criação da CPI sobre a matéria.
Vale recordar que, em recente audiência pública realizada no Senado, declarações contundentes relatavam como jovens negros desprovidos de documentos tornam-se costumeiramente alvo mais fácil para policiais direcionados pelos estereótipos. Estatísticas confirmam tais condutas.
Não por acaso, de acordo com o Mapa da Violência 2013, de cada dez jovens assassinados, oitos são afro-descendentes. O fato de fazer parte dessa específica população implica pertencer a um grupo de risco em termos de violência, inclusive de assassinatos derivados de abordagens policiais. Em que pesem os efeitos animadores contidos nas ações afirmativas e nas políticas sociais racialmente compensatórias, houve significativa desconsideração com o fator violência sobre a juventude negra.
Em verdade, o relatório evidencia que, dos 467,7 mil homicídios contabilizados entre 2002 e 2010, 307,6 mil, ou seja, aproximadamente 70% foram de pessoas negras. No balanço geral, enquanto houve uma tendência de redução de homicídios de brancos em 26,4%, houve o aumento de homicídios de pessoas negras de 30,6%. Isso se observa na população em geral, mas principalmente nos jovens.
Segundo o mesmo Mapa, no ano de 2010, morreram, vítimas de disparo de arma de fogo, 10.428 brancos e 26.049 negros. Utilizando os dados do Censo de 2010, podemos verificar que as taxas resultantes foram 11,5 óbitos para cada 100 mil brancos e 26,8 óbitos para cada 100 mil negros. Portanto, fica patente que, proporcionalmente, morrem vítimas de arma de fogo 133% mais negros que brancos.
Por um lado, Alagoas, Paraíba, Espírito Santo e Pernambuco são as unidades que lideram as maiores taxas de óbito negro do País decorrente de armas de fogo. Aliás, com relação aos níveis de vitimização por armas de fogo de negros, existem unidades da Federação, como Alagoas e Paraíba, nas quais essa relação chega a ser de 1.700%. Em outras palavras, para cada branco vítima de arma de fogo, nesses Estados, morrem mais de 18 negros.
Na mesma linha de avaliação, o relatório da Anistia Internacional intitulado O Estado dos Direitos Humanos no Mundo atesta que, apesar da melhora na situação socioeconômica do Brasil, a incidência de crimes violentos continua alta entre nós. De acordo com o documento, os jovens negros são, de forma desproporcional, as principais vítimas, principalmente nas regiões Nordeste e Norte. Segundo o diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil, Átila Roque, o País vive uma situação de quase extermínio de uma parcela da população.
Na visão do pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz – responsável pela elaboração do Mapa da Violência 2013, no Brasil ainda vigora um mecanismo de “culpabilização” da vítima, o que incentiva a tolerância à violência contra grupos mais vulneráveis, fazendo com que o Estado não tome medidas para solucionar muitos desses casos.
Por isso mesmo, para reverter tal situação, temos que efetivar, enfim, determinadas medidas institucionais urgentes, no meio das quais a realização desta CPI se destaca como irrevogável. Faz-se mister, então, analisar os fatores que tornam os jovens afrodescendentes mais vulneráveis à violência, considerando aqui a necessidade de aprofundar políticas de inclusão e ações afirmativas para uma melhor distribuição de oportunidades.
Paulo Paim é Senador pelo PT/RS.

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