Para alguns seringueiros, manejo da floresta para a exploração de madeira é uma maneira de legalizar o desmatamento; outros afirmam que proposta é uma forma de evitar o predomínio da atividade pecuária
22 de dezembro de 2013 |
Leonencio Nossa, Enviado especial/ Xapuri, Estado de S.Paulo
Madeira e carne de boi são os produtos que animam negociantes e aventureiros a percorrer a estrada de terra da Sibéria, região inóspita de floresta em Xapuri, no Acre. As famílias desse lugar isolado da Amazônia têm dificuldades para escoar até o centro do município, a 40 quilômetros, a borracha e a castanha, marcas do modelo de desenvolvimento sustentável defendido pelo líder seringueiro Chico Mendes, morto há exatos 25 anos.
Dida Sampaio/Estadão
Reprodução de vídeo sobre os habitantes de comunidades próximas a Xapuri, onde viveu Chico Mendes
Um jovem casal de seringueiros que era criança quando o ambientalista sofreu emboscada tem perdido o sono com a proposta de manejo florestal. Francisco Diogo da Silva, 39 anos, a mulher Elizângela, 33, e cinco filhos vivem numa "colocação", um pedaço de terra numa área extrativista. Ele é favorável à proposta recebida de uma associação certificada para explorar a madeira. A mulher rejeita a ideia. "O manejo é uma tiração geral de árvores. Nunca achei que seria legal. Se é reserva, tem de proteger", afirma Elizângela. O marido diz acreditar que a retirada de cedros pode ser uma ajuda a mais. "A seringa e a castanha não têm preço bom. Vou participar no primeiro ano. Se não tiver fundamento, não trabalho mais."
O legado de Chico Mendes rende discussões diárias nas terras transformadas em reservas extrativistas ou desapropriadas pelo governo logo após o assassinato. Para uns, o manejo é a legalização do desmatamento. Para outros, uma forma de evitar o predomínio da pecuária. A exploração comercial de madeira divide até aliados do ambientalista que hoje controlam a política do Acre.
Francisco vive na "colocação" desde a adolescência, quando o pai participava dos "empates" - movimentos de resistência organizados por Chico Mendes à entrada de pecuaristas que compravam a preços baixos seringais, expulsando famílias de trabalhadores. Nesses últimos 25 anos, a Sibéria perdeu parte de sua floresta. A caça desapareceu da mata. Quando o Estado chegou à "colocação", o casal estava fora, numa caça. Sani, o filho mais velho, de 13 anos, diz que nos dias anteriores os pais voltaram sem "bicho" nas costas.
Desmate. Desde a noite de 22 de dezembro de 1988, quando caiu na porta dos fundos de sua casa, atingido pelo tiro de escopeta disparado pelo filho de um fazendeiro, Chico Mendes, amigo do pai de Francisco, transformou-se num ícone internacional e expandiu o movimento em defesa do meio ambiente no País. O mito, porém, não evitou que a área desmatada do Acre passasse de 6 mil para 19 mil km². O Estado perdeu um trecho de cobertura vegetal que corresponde a nove vezes a área do município de São Paulo - ainda assim, a floresta cobre mais de 85% do território acriano. Em Xapuri, onde se concentra a agricultura de subsistência e as atividades de extrativismo, o desmatamento atinge 22% das terras.
Francisco e Elizângela afirmam que a vida melhorou "bastante" desde o tempo em que ouviam as conversas dos pais com Chico Mendes. Uma pequena motocicleta no quintal de casa é um bem que orgulha a família. Eles observam, no entanto, que o dia a dia continua duro. Elizângela reclama da dificuldade em garantir os estudos dos filhos.
O motorista contratado pela prefeitura para fazer o transporte escolar na região deixou de aparecer. O filho Sani costuma ir sozinho na motocicleta da família para a escola, localizada a seis quilômetros. "Quando Francisco não está em casa, a gente é obrigada a colocar o Sani em cima da moto. É um crime, mas não tem outro jeito", diz a mãe.
Renda. Em outro ponto da floresta de Xapuri, o seringueiro Silvano Moreira Gomes, 59 anos, da "colocação" Equador, diz que já "manejou" madeira três vezes. "Não arranjei renda. Madeira não dá futuro." Ele ocupa há 27 anos uma área de 300 hectares, com três estradas de seringa, 150 a 180 árvores em cada uma. Ganha R$ 220 por quinzena com a seringa. Ele mostra uma pequena montanha de 20 toras de angelins, árvore de madeira nobre, num descampado perto de sua propriedade. As madeiras foram arrancadas em agosto pela empresa que faz o manejo. Avalia que receberá R$ 8 mil pelos troncos. "Pagam R$ 60 por um metro de madeira, mas demoram para pagar", diz. "No clandestino, vale R$ 800."
Silvano conta que a retirada no manejo não impede que árvores "avós", grandes espécies que servem para garantir sementes, caiam depois com ventos, e estradas de seringas sejam destruídas. "Se eu tivesse outra renda, não deixaria tirarem as árvores", diz. "Se ele (Chico Mendes) estivesse vivo, o manejo não sairia. Está explorando a floresta do mesmo jeito e deixando o seringueiro sem árvore alta dentro."
Ele mora com a família de três filhos numa casa de cinco cômodos. Silvano observa que o pai, Jasson Moreira Gomes, que chegou ao Acre no tempo da Segunda Guerra Mundial (1939-1945), morreu sem ter uma terra própria. "Agora, moro no que é meu. Com todas as dificuldades que a gente vive, acho que o Chico foi um vencedor. Se não fosse ele, quem estaria aqui agora falando com vocês era fazendeiro."
Quem percorre a região da Equador e da Sibéria percebe que os planos de manejo garantidos por normas criadas pelo governo federal enfrentam problemas. Na semana passada, o Imaflora, uma entidade que dá certificação ambiental, cancelou o selo de 14 madeireiras do Estado, alegando que foram usadas árvores de reservas ambientais e constatadas fraudes em documentos de cortes. No papel, o manejo corta apenas árvores de mais de 20 anos em áreas delimitadas, garantindo a recuperação da floresta. A fiscalização, porém, é ineficiente.
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