17 de dezembro de 2013

Escola deve ser espaço de proteção e não de violência, diz Miriam Abramovay

Escola deve ser espaço de proteção e não de violência, diz pesquisadora

A violência entrou de vez no currículo escolar. Só que, em vez de uma batalha no campo das ideias, alunos, professores, diretores e funcionários precisam conviver com agressões, ameaças e abusos. Para Miriam Abramovay, coordenadora da área de Juventude e Políticas Públicas da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais e ex-coordenadora de pesquisas da Unesco (Organização das Nações Unidas para a educação, a ciência e a cultura), os conflitos são resultado de relações sociais ruins e da falta de diálogo.
Pesquisadora do tema há mais de dez anos, Miriam defende a criação de políticas públicas de prevenção da violência escolar, diagnóstico dos problemas e a formação específica de professores. “Um bom professor é o que ensina bem a disciplina, mas também que sabe ser amigo, que sabe entender o que é ser jovem”. Leia a seguir a entrevista:

VIOLÊNCIA ESCOLAR EM 2013

  • Professor é afastado após acariciar aluna em escola estadual de SP
  • Criança é mordida dezenas de vezes em creche particular de MG
  • Na China, estudante mata professor após ter seu celular confiscado
  • Em Paulínia, alunas brigam durante aula e professor assiste a cena
  • Polícia apreende nove jovens suspeitos de incendiar escola no RS
  • Aluna de 16 anos é retirada de sala de aula e morta dentro de escola no RN
  • Aluno agride com vassoura docente que proibiu acesso ao Facebook
  • Aluna pode ter visão comprometida depois de trote em escola no RS

Aumentaram os casos de violência na escola?

Eu acho que não dá para dizer que aumentou ou não a violência no ensino. Não existe nenhuma pesquisa que abarque todo o Brasil e que faça uma avaliação do que aconteceu nesses últimos dez anos sobre a violência nas escolas. Se você pegar os casos de violência em geral ou de mortalidade dos jovens, a situação é cada ano pior. Então, é óbvio que por um lado a escola recebe essa influência, mas por outro ela também produz violência, que são muito específicas do âmbito escolar.

A ciberviolência e a divulgação de vídeos de violência na internet aumentaram a sensação de violência?

Eu acho que é uma questão muito importante e a escola não tem as ferramentas mínimas para poder prevenir esse tipo de violência. A escola é muito centrada em si mesma, no que pensam os adultos. Em segundo lugar, ela não sabe o que acontece na vida desse jovem. Colocar uma coisa na internet é uma forma de exibicionismo e nós vivemos numa sociedade do espetáculo. Isso tem um valor muito grande, principalmente para o jovem.

O que motivam os atos de violência na escola hoje em dia?

Brigar, eles sempre brigaram, isso sempre aconteceu. Mas eu acho que estamos vivendo um fenômeno da exacerbação da masculinidade e da cultura da violência. Aparece aquele que é mais violento, que sabe brigar melhor. Eu digo masculinidade, mas é para garotos e garotas. Aí também entra o uso das armas, porque a arma é símbolo de força e de poder.

Qual é o principal motivo do conflito entre professores, alunos e diretores?

Eu acho que as relações sociais — aluno-aluno, aluno-professor e professor-diretor– estão muito ruins. Ainda acho que as mais complicadas são as relações com os adultos. Isso porque a escola é muito centrada nela mesma e muito pouco do que se propõe é dialogar com os jovens. Eu acho que isso cria um clima muito ruim.
Nós estamos fazendo uma pesquisa e percebemos que o professor que os alunos mais gostam coincide com a matéria que eles mais gostam. Ou seja, a relação entre o professor e os jovens ainda é muito importante. Um bom professor é o que ensina bem a disciplina, mas também o que sabe ser amigo, que sabe entender o que é ser jovem.

Por que ocorrem casos de abuso sexual dentro da escola?

A escola não é uma torre de marfim, ela também reproduz as próprias loucuras da nossa sociedade. Eu acho que tem ainda o abuso dos professores e das professoras relacionado à fragilidade do que é ser adolescente. Nós temos uma postura de negação a tudo o que é jovem, no sentido de não ser positivo. Por outro lado, existe admiração, porque são bonitos e estão vivendo coisas que os adultos já viveram, o que causa muito fascínio em muitos professores também. Acho que é uma falta de limite desses professores e professoras e uma falta de autoridade. A escola tinha que ser um local de proteção e não de reprodução dessa violência.

Você pesquisa a violência escolar desde o início dos anos 2000. Algo mudou nos últimos dez anos?

Eu acho que muito pouco, infelizmente, porque os tipos de comportamento vêm se repetindo. Nós não temos políticas públicas efetivas, diagnósticos importantes sobre esse tema. Nós não temos formação de professores, o que é fundamental, porque eles não tiveram isso na sua formação.

Qual é o papel da escola no combate ao bullying?

Eu acho que a escola tem que prestar atenção no que está acontecendo com ela: como se dão as relações entre os alunos, as relações com os professores, em todos os fenômenos da violência, que são ameaças, a entrada de armas na escola, a homofobia, a violência de gênero… A escola tem que se dar conta disso.

Como combater a violência escolar em comunidades em que a violência já faz parte do cotidiano?

Uma escola que está num local de violência não obrigatoriamente é violenta. A escola tem uma violência de fora para dentro, mas tem a violência que ela produz. Então, você pode ter um lugar supertranquilo em que a escola é superviolenta. E vice-versa. A escola tem as suas próprias características, não é uma consequência direta do que acontece fora dela.
Não obrigatoriamente a comunidade tem interferência nas relações entre os alunos, no racismo, na homofobia, em como os professores tratam os alunos, porque isso pode ser violência também. Se você tem uma concepção de violência como só a violência dura, que é a entrada de tráfico e de armas nas escolas, então você tem razão, quanto mais a comunidade é violenta mais a escola é violenta. Mas se você tem uma concepção de que violência é uma coisa mais ampla, que existe uma violência simbólica, não obrigatoriamente a comunidade vai fazer com que as relações sociais sejam piores.
Dependendo dos professores, dos alunos, da relação com a família, a escola pode ser um lugar de proteção, independente do bairro ou da comunidade ser violenta ou não.

Há uma relação entre a participação dos pais e a violência escolar?

Nós fizemos uma pesquisa há muito anos que mostrava que quanto mais havia a participação dos pais na escola mais a escola poderia se tornar uma escola protetora. Ou seja, abrir as portas para os pais, os pais buscarem entender o que está acontecendo com os filhos, pedirem ajuda, [fazer com] que essa relação escola e família não seja de competição, é fundamental para o clima escolar. 

Em que momento a polícia pode entrar na escola?

Está acontecendo um fenômeno hoje que é a judicialização da educação. Quer dizer, a escola joga para a Justiça seus principais problemas. A polícia tem que entrar na escola quando a violência é dura, quando existe droga e armas dentro da escola. Senão, não existe nenhum sentido de a polícia estar dentro da escola. Mas está acontecendo o contrário, quer dizer, o conselho tutelar a toda hora é chamado por coisas mais banais que acontecem. O que a escola está dizendo é “eu não tenho autoridade de resolver os meus problemas e vou chamar a polícia para isso“. 

Qual é o papel do Estado na redução da violência nas escolas?

Eu acho que nós temos que ter uma política pública sobre esse tema, que abarque diagnósticos, formação de professores. Não adianta só ter pequenos programas, nós temos que ter políticas para a gente saber o que está acontecendo, depois pensar muito na formação de professores, para eles saberem o que fazer. 

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