1 de dezembro de 2013

HÉLIO SCHWARTSMAN, Democracia e falseabilidade


SÃO PAULO - Num gesto temerário, comento hoje a interpretação que um físico --David Deutsch-- faz das ideias políticas de um filósofo da ciência --Karl Popper.
Em "The Beginning of Infinity", Deutsch retoma alguns dos paradoxos matemáticos que assombram a democracia desde os tempos de George Washington e os "Founding Fathers" dos EUA, que jamais conseguiram encontrar uma fórmula justa para estabelecer a representação de cada Estado na Câmara de acordo com o total de habitantes. Em algumas situações, um Estado cuja população crescia mais acabava perdendo cadeiras. Hoje, graças ao teorema de Balinski e Young, de 1975, sabemos que a tarefa é mesmo impossível.
Deutsch, porém, vai mais longe e, valendo-se de outra prova matemática, o Teorema da Impossibilidade de Arrow, segundo o qual a soma das racionalidades individuais não produz uma racionalidade coletiva, coloca em dúvida a legitimidade da noção de escolhas sociais --o que tem profundas e pouco alvissareiras implicações para a democracia.
Para Deutsch, a resposta para o problema está em Popper. Em sua visão, a democracia é boa não porque represente a vontade do povo, mas porque é o sistema que mais facilita a remoção de políticas equivocadas e permite mudar governos sem violência. Se quisermos, é a aplicação, na política, das teses popperianas sobre a falseabilidade que fizeram tanto sucesso na epistemologia.
"A essência do processo decisório democrático não é a escolha feita pelo sistema eleitoral, mas as ideias que se criam entre as eleições (...) Os eleitores não são uma fonte de sabedoria da qual as políticas corretas podem ser empiricamente derivadas'. Eles estão tentando, e de forma falível, explicar o mundo e, neste processo, melhorá-lo", escreve Deutsch.
Se isso é verdade, progredimos mais quando despachamos governantes para casa do que quando os elegemos. E isso em todos os níveis.

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