19 de maio de 2012

HÉLIO SCHWARTSMAN, Dilemas da Justiça



SÃO PAULO - É com imenso atraso que comento a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de obrigar um pai a indenizar a filha em R$ 200 mil por abandono afetivo. O que me interessa aqui não é o caso concreto, mas a concepção filosófica de direito que está soprando em Brasília.
Com esse acórdão, o STJ está dizendo que é função do Judiciário induzir os cidadãos a ser virtuosos (prover os filhos com afeto e não só com os meios de subsistência). É uma afirmação complicada e com importantes implicações.
Demorei tanto a discutir o caso porque quis antes terminar de ler "Justiça: O Que É Fazer a Coisa Certa", de Michael Sandel, em que o autor defende justamente que adotemos uma ética baseada na virtude.
O livro é excelente, mas não me convenceu inteiramente. Sandel expõe com maestria os pontos fortes e os problemas de vários sistemas éticos e teorias da justiça, com destaque para o utilitarismo e as visões de Immanuel Kant e John Rawls.
Sandel sustenta que esses modelos pecam por tentar aplicar ao Estado e à Justiça uma neutralidade impossível, que evita emitir juízos morais. Um exemplo: não se discute se o casamento homossexual é certo ou errado, mas, sim, se os gays devem ter ou não direito a ele. Para o autor, precisamos, como ensinava Aristóteles há quase 2.500 anos, julgar as coisas segundo os seus propósitos, isto é, segundo uma ética da virtude.
Em termos puramente filosóficos, Sendel tem razão. É impossível renunciar aos juízos de valor e nós não o fazemos na maioria de nossas interações sociais. Quando se trata de legislar e sentenciar, porém, acho que vale a pena insistir na neutralidade, isto é, na ideia de que não cabe ao Estado determinar como o cidadão deve viver sua vida. Ainda que ela tenha algo de ficcional, incute um pouco de prudência a parlamentares e juízes, o que tende a reduzir o ímpeto daqueles que pretendem impor suas verdades pessoais a todos.

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